sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Analfabetos em números

Por que a matemática continua sendo o ponto fraco da educação brasileira e as idéias dos especialistas para que nossas crianças se apaixonem por ela
Por: Paulo de Camargo - Revista Claudia - outubro de 2008

Na extensa lista de mazelas da educação brasileira, uma em particular vem tirando o sono dos especialistas: o déficit no aprendizado da matemática. No principal exame internacional de avaliação de estudantes, o Pisa, sigla para Programme for International Student Assessment, o Brasil ficou na lanterna no ensino de matemática, entre 41 países participantes, no teste realizado em 2003, e em 54o lugar, entre 57 países, em 2006. A prova avalia estudantes com 15 anos. Estudos com alunos brasileiros em outras etapas da vida escolar confirmam essa tendência. O último teste aplicado pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mostrou que 80% dos alunos de 4a série, 87% dos de 8a série e 87,3% dos de 3a série do ensino médio não atingiram a pontuação mínima adequada. Ou seja, na média, um aluno da 8a série no Brasil não consegue analisar gráficos de colunas, acha difícil lidar com conversão de medidas e não tem a menor idéia de como efetuar cálculos de juros. Pelos padrões internacionais, já deveriam saber tudo isso.
As más notas são um sintoma eloqüente, mas ainda não dão a dimensão exata da gravidade da doença. Ignorar os conteúdos básicos da matemática significa estar despreparado para a cidadania. Afinal, lidamos com números ao fazer uma receita de bolo, planejar o orçamento doméstico, decidir se é melhor comprar um eletrodoméstico a prazo ou à vista ou mesmo ao tentar compreender as preferências dos eleitores em uma eleição democrática. Mas o aprendizado da matemática tem um papel ainda maior, conforme explica a pesquisadora Inés María Gómez Chacón, professora titular da Universidade Complutense de Madri: é essencial para a formação das estruturas de pensamento das crianças e dos jovens. “Matematizar é um exercício de gerar nexos com a realidade”, diz ela. Outro especialista de renome, João Pedro da Ponte, catedrático em ciências da educação da Universidade de Lisboa, complementa: “Contribui certamente para o desenvolvimento de um pensamento rigoroso e para a compreensão do que é e do que não é um argumento válido”. Ou seja: vêm aí gerações inteiras de crianças e jovens que terão maior dificuldade de inserção no mundo globalizado, onde a chave-mestra é a capacidade de aprender continuamente.
A situação é mais grave nas camadas menos favorecidas e no sistema de ensino público, mas está longe de se concentrar nesses estratos sociais. Em 2007, pela terceira vez, o Instituto Paulo Montenegro, ligado ao Ibope, ouviu pessoas de todas as faixas etárias buscando mapear o analfabetismo funcional – num paralelo com o mundo das letras, esse conceito identifica pessoas que sabem ler palavras, mas são incapazes de escrever uma carta. A constatação do trabalho é dramática: pouco menos da metade da população com idade entre 15 e 64 anos, com ensino médio e superior completos, pode ser considerada plenamente alfabetizada em matemática. “Comparando com resultados de anos anteriores, o dado preocupante é que não houve uma melhora significativa”, diz Ana Lúcia Lima, diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro. “É uma catástrofe.”
Para compreender as origens do problema, é preciso separar as dificuldades específicas do ensino da matemática das deficiências estruturais do ensino brasileiro, como professores desvalorizados, mal formados e sem condições adequadas de trabalho. Há pelo menos duas ordens de questões: as metodológicas, ou seja, aquelas relacionadas a o quê e como ensinar, e outras diretamente ligadas a um preconceito socialmente difundido de que matemática é para “iluminados”. Nesse ponto, os Parâmetros Curriculares Nacionais, criados pelo Ministério da Educação há dez anos para oferecer um norte pedagógico aos professores das diferentes regiões do país, são modernos: prevêem a utilização de estratégias como o uso de jogos e uma aproximação amigável com o universo dos números. “Mas há uma grande distância entre a teoria e aquilo que efetivamente chega à sala de aula”, diz a pesquisadora Kátia Smole, uma das autoras do PCN na área da matemática. Nas escolas brasileiras, desde o ensino fundamental, os alunos deparam com um conhecimento desconectado da realidade. “Como a matemática é apresentada por meio de uma linguagem sofisticada e nada natural, há obstáculos de decodificação”, explica Antonio José Lopes, doutorando pela Universidade Autônoma de Barcelona e autor de livros didáticos. Para Maria Tereza Carneiro Soares, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Paraná, consultora do Pisa, esse é um dos motivos para o insucesso dos alunos brasileiros no Pisa, que cobra um conhecimento matemático cotidiano e indispensável para o mundo do trabalho.
O que se busca hoje é tirar da educação matemática o excesso de formalismo da linguagem – apresentada como se fosse uma sucessão de fórmulas, regras e enunciados –, de maneira a aproximá-la da vida real, passando a ter mais sentido para o aluno. Pode ser muito prazeroso descobrir quanto de matemática existe na confecção de uma pipa ou participar de jogos nos quais a compreensão das regras passa pelos princípios matemáticos fundamentais. É essa distância entre modos de ensinar a matemática que separa, por exemplo, o jovem Mateus Henrique Pedroso Cárdia, 11 anos, de sua mãe, a professora de educação infantil Sílvia Helena, que não consegue ajudá-lo nas questões envolvendo números. “No meu tempo de escola, era uma matéria difícil, teórica”, diz ela. No colégio de Mateus, os professores sempre traçaram paralelos entre a vida concreta e o conhecimento teórico. “O resultado é que eu sempre tive dificuldades, mas o Mateus adora; ele me apresenta uma dúvida e logo encontra, pelos próprios caminhos, a solução.”
Uma ciência para poucos. Essa visão sobre a matemática está por toda parte. A pesquisadora Inés Gómez Chacón, autora do livro Matemática Emocional (Artmed), analisou o grande impacto das emoções no aprendizado dos números. Para ela, boa parte da dificuldade se explica pelo grau de ansiedade e pela auto-estima dos estudantes. Quanto mais autoconfiantes, melhor o desempenho com números; já a baixa auto-estima leva a um medo excessivo de cometer faltas, a uma diminuição no grau de atenção, na memorização e até mesmo na eficácia do raciocínio. Com base nisso, propõe novas condutas em sala de aula, mostrando ao aluno que suas idéias são importantes e que a matemática não é um mundo de certezas, mas também um conhecimento experimental. O estudo mostra ainda a importância do papel dos pais no fortalecimento da auto-estima da criança.
Aprender os números não é uma capacidade inata, lembra a pesquisadora Kátia Smole. O aluno precisa aprender que existem muitos caminhos, e não apenas aquele que o professor ensina. “Por outro lado, há alunos talentosos e fascinados pelos desafios da matemática, mas muitas vezes os professores nem atentam para isso, pois estão centrados nos procedimentos e técnicas”, afirma ela. Não pode haver trajetória melhor do que a do pintor Antonio Peticov. O artista repetiu cinco vezes de ano, em grande parte por suas dificuldades com o aprendizado dos números. Hoje, tornou-se famoso em muitos países porque sua arte incorpora conceitos matemáticos, como a Regra de Ouro. Baseada em uma seqüência algébrica conhecida como Número de Fibonacci e muito utilizada no Renascimento, estabelece proporções geométricas de modo, por exemplo, a guiar a atenção do espectador para certa seção da obra. Por esse talento, Peticov foi convidado a integrar a Lewis Carroll Society, que reúne especialistas em matemática das mais diversas áreas. “Há matemática em tudo, na arte e na vida”, diz ele.
Fonte:
Revista Claudia - http://claudia.abril.com.br

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