segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Jovens sedentários




Apenas cuidar das calorias ingeridas no dia-a-dia escolar não basta. Existe um aspecto fundamental para equilibrar a balança: a prática de atividade física ou, como muitos preferem, a adoção de um estilo de vida ativo. Enquanto permanecerem sentados em frente à TV, ao computador ou videogame, dificilmente os jovens conseguirão ficar de fora dos números do último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostra que uma a cada três crianças com idade entre 5 e 9 anos e um a cada cinco jovens na faixa etária de 10 a 19 anos estão acima do peso.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza, pelo menos, 300 minutos semanais de atividade física para crianças e adolescentes. Entretanto, os estudantes brasileiros estão longe de cumprir essa recomendação. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2009, realizada pelo IBGE com 60.973 alunos do 9º ano do ensino fundamental, das redes pública e privada de todo o País, apontou que apenas 43,1% dos estudantes poderiam ser considerados ativos pelo critério da OMS. Um estudo anterior, conduzido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em 2004, com cerca de 10 mil moças e rapazes, com idade entre 15 e 29 anos, chegou a praticamente ao mesmo resultado, constatando que 57% dos jovens não praticam atividade física e que muitos não têm sequer interesse pelos esportes.
Mas por que falta movimento no cotidiano das novas gerações? Para o psicomotricista e professor de Educação Física Cloaldo Amaral Filho, foram as mudanças da sociedade que afetaram como os jovens se relacionam com o corpo. “Atualmente, não há espaços adequados (qualificados, seguros, bem localizados) nem tempo suficiente para as práticas corporais espontâneas, como as brincadeiras de rua. Como as questões corporais não são devidamente valorizadas (porque são pouco compreendidas) por famílias e escola, o resultado é a imobilidade quase generalizada”, explica.
Antigamente, as crianças e os adolescentes se exercitavam naturalmente. Sem a forte presença da tecnologia e das comodidades do mundo de hoje, não havia outro caminho a não ser se mexer. “Com o desenvolvimento tecnológico e a vida moderna, atividades que faziam parte do dia a dia, como levantar para mudar os canais da TV, andar a pé e brincar na rua, deixaram de existir. Não é possível ir contra a modernização, mas é importante que os hábitos sejam mudados e a atividade física programada seja incorporada à rotina de todas as pessoas”, afirma Vera Lúcia Perino Barbosa, especialista em obesidade infantil e presidente do Instituto Movere, de São Paulo (SP), organização sem fins lucrativos que desenvolve um trabalho de reeducação alimentar, atividades físicas e mudança de comportamento com crianças e adolescentes de baixa renda com sobrepeso e obesidade.
Um bom indicador do sedentarismo entre os jovens é o índice do tempo que permanecem sentados. Um levantamento realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, com 538 estudantes de 13 anos de idade, revelou que, em média, os adolescentes ficaram sentados 7 horas por dia, durante a semana, e 5 horas por dia no fim de semana. Segundo o coordenador do grupo que conduziu o estudo, Paulo Roberto dos Santos Amorim, a tecnologia tem grande influência sobre esses números. “O pior é que está aumentando esse comportamento, principalmente por causa do tempo de tela, gasto com o computador, videogame, TV, celular, etc. Tempo de tela é o termo utilizado para designar essas atividades que competem com um estilo de vida mais ativo.” Mas o docente explica que a escola também contribui para o sedentarismo, haja vista que, durante a semana, quando estão estudando, a quantidade de horas que os jovens ficam sentados é maior. “Onde começa
o comportamento sedentário infantil? Porque em casa a criança brinca. Começa quando a gente encerra o comportamento dela em sala de aula. Por isso, as crianças, em geral, adoram o momento da Educação Física”, analisa Amorim.

Educação Física
A falta de atividade física traz uma série de consequências negativas para as crianças. Além de contribuir para a obesidade e outros problemas de saúde, compromete o desenvolvimento de habilidades como força, velocidade, destreza, equilíbrio, coordenação motora ampla e fina, entre outras. O professor Amaral destaca, também, que a importância da prática corporal não se resume ao aumento do gasto energético e à iniciação ao esporte competitivo. Existem outros aspectos envolvidos, como a descoberta de si e do mundo ao redor, que se concretiza a partir das experiências corporais. “Outro aspecto pouco observado são as relações sociais que se estabelecem nesse tipo de atividade, um potencial riquíssimo para a vivência de valores. A aprendizagem dessas questões pode ser muito mais efetiva nessas situações do que em sala de aula. Pela minha observação dessa realidade, percebo que a criança de hoje está pagando um preço por sua imobilidade, seja na esfera psicoafetiva, social ou cognitiva”, analisa o psicomotricista.
As aulas de Educação Física são a oportunidade mais evidente que as escolas possuem de trabalhar as práticas corporais e contribuir para a redução do sedentarismo entre os jovens. Porém nem sempre esse espaço reservado no currículo é suficiente ou capaz de cumprir sua função. Dados da mesma pesquisa do IBGE sobre a frequência da Educação Física nas escolas mostraram que 49,2% dos alunos tiveram dois dias ou mais de aulas da disciplina, na última semana da época do estudo. A proporção foi maior nas escolas públicas, onde o percentual foi de 50,6%. Nas instituições da rede privada, a frequência de pelo menos duas vezes por semana atingiu 43,9% dos alunos. Entretanto, os especialistas consultados nessa reportagem não acreditam que, na maioria dos casos, a disciplina desenvolva um trabalho efetivo e estimulante à atividade física. “As aulas de Educação Física oferecidas em escolas públicas e também privadas carecem de planejamento e orientação adequados às crianças, aos adolescentes e às suas famílias. Um cronograma de atividade física bem elaborado, com aulas teóricas e práticas incentivando as crianças e os adolescentes, mudaria o cenário monótono que hoje é a Educação Física na escola”, critica Vera Barbosa.
Para evitar que as aulas sejam apenas um momento “para jogar bola”, Amaral sugere que cada instituição de ensino defina, em primeiro lugar, o papel da Educação Física no contexto da educação e priorize uma abordagem inclusiva, em que o foco não se concentre apenas na prática de esportes e situações competitivas, para que a maioria seja contemplada, desenvolvendo o “gosto” na criança pela atividade física, esportiva, lúdica, etc., por toda a vida.

Recreio
Como a própria palavra indica, recreio significa ou deveria significar “algo que serve para divertir; brincadeira”, segundo definição do dicionário Houaiss. Da mesma forma que o vocábulo caiu de moda, passando a ser mais conhecido entre as novas gerações por “intervalo”, esse período tão aguardado pelas crianças e pelos adolescentes mudou um pouco suas características em muitas escolas do Brasil. Ao invés de corda, amarelinha, pião, bola-de-gude, elástico, o que mais se vê são crianças “zanzando” e conversando. Apesar da aparente agitação, os alunos estão gastando muito menos energia do que deveriam nesse momento. Essa é a conclusão de outro estudo conduzido pela Universidade Federal de Viçosa no ano passado, que usou duas técnicas (aferição
da frequência cardíaca e observação direta), em dois grupos diferentes, para medir a intensidade das atividades durante o recreio escolar. No total, foram avaliados 90 alunos, com idade média de 11 anos, de quatro escolas da rede pública e privada de Viçosa, em três intervalos de 30 minutos. Segundo Paulo Roberto Amorim, que também coordenou essa pesquisa, nos dois grupos, o resultado foi similar, os estudantes atingiram um nível de atividade física moderada a intensa em apenas 10% do tempo do recreio, ou seja, durante 3 minutos, chegando, no máximo, a 6 minutos, o que corresponde somente a 10% da recomendação geral de 60 minutos diários nesse nível de intensidade. Pela observação direta, em que os pesquisadores registravam as ações das crianças a cada 5 segundos, foi possível verificar que as atividades dos alunos eram muito intermitentes, não permitindo atingir a intensidade necessária para contribuir para a saúde das crianças e dos adolescentes.
“As escolas precisam aproveitar melhor a oportunidade do recreio”, recomenda Amorim. O especialista lembra que, com o aumento da oferta do tempo integral, haverá ainda mais períodos disponíveis para transformar no que chama de “intervalos ativos”. Na segunda etapa desse estudo, que ainda não foi concluído, os pesquisadores ofereceram bambolê, corda, peteca, elástico, entre outros materiais, aos estudantes e houve um aumento considerável no padrão de atividade. “Se a gente fizer pequenas ações, com certeza consegue alterar esse comportamento. É uma questão de valorização do comportamento ativo”, reforça. Amorim acredita que a responsabilidade de estimular uma vida mais ativa é de todos, mas que a escola tem esse papel de levar a informação para que o alerta de duas médicas norte-americanas, que costuma usar no início da apresentação dos seus trabalhos, não se concretize. Jennifer L. Miller e Janet H. Silverstein afirmam: “Se as crianças continuarem a ganhar peso nas proporções atuais, a obesidade será a causa líder de mortalidade. As crianças de hoje estão sob o risco de se tornarem a primeira geração a morrer em uma idade anterior a de seus pais.” Sem uma alimentação saudável e uma vida menos sedentária, com a contribuição fundamental da escola, será difícil para os jovens escaparem desse triste presságio.

Matéria publicada na edição de março de 2011 da revista Gestão Educacional

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